Tuesday, July 04, 2017

Afinal não é uma saga

Querido Pê,

Apesar de não me apetecer expandir-me muito mais sobre este assunto, não podia deixar de escrever qualquer coisa, em jeito de despedida. Sim, despedida! Não sei que bicho te mordeu, ou se recebeste a visita de alguém, aquele tipo de pessoas que “tratam das coisas”, como vemos nos filmes. Desde já te garanto que eu nada tive a ver com o assunto, mas já não posso falar pelos meus milhares de leitores (sim, milhares... a maioria são tímidos), que se mostraram, aliás como eu, indignados aquando do primeiro texto que escrevi sobre este assunto. Catorze valores foi a nota que decidiste dar-me como avaliação do exame do passado dia vinte e sete. Já falei sobre o conteúdo do mesmo e sobre a minha incerteza em relação àquilo que escrevi, portanto não me vou demorar. Devo admitir, no entanto, que não esperava uma nota tão decente! Catorze é aquela nota que nos deixa entre a excelência e a medianidade. Neste caso concreto, creio que a que mais se coaduna com o meu trabalho será a primeira, mas...
Entretanto, não podia despedir-me de ti sem manifestar a minha preocupação para com as gerações de jovens que tens e terás como alunos. Ainda que as gerações mais novas estejam (mal) habituadas a que lhes façam a papinha toda (perdoem-me, leitores mais petizes, mas é verdade), estou em crer que algo devia mudar. Ou se calhar tudo. Não estou a par do método de ensino das Humanidades nas escolas secundárias de Portugal, mas quero acreditar que, à semelhança do que os meus professores fizeram comigo, é fomentado o pensamento individual, o saber fazer por si próprio, o ter opinião. A meu ver, os alunos “respondões” são os melhores alunos nestas áreas, mas posso estar enganado. O problema é que, como pude constatar neste meu regresso ao mundo académico, a opinião própria é relegada, senão mesmo aniquilada, por uma espécie de imposição sistémica, de uma falta de paciência generalizada e bem patente nos docentes, que, ao verem a falta de armas de que os alunos dispõem, se deixam levar e, ao invés de tentarem contrariar o fluxo do rio, nele embarcam e se deixam levar, deixando o problema ir, literalmente, por água abaixo. Recordo-me de uma aula em que falaste, precisamente, sobre o futuro das Humanidades, que não se prevê nada risonho. Argumentaste que, daqui por vinte anos, vão ser necessários professores para as universidades. Não sei se de propósito, mas nunca falaste do porquê, que é muito simples e se resume numa palavra: Cátedra. É curioso também verificar que, passados quase vinte anos da minha primeira matrícula na Universidade do Algarve, o corpo docente da Faculdade de Letras se mantenha absolutamente e inexoravelmente inalterado. Nem um nomezinho diferente, nem uma nesga de juventude, de novas ideias, novas perspectivas. Assim, não estranhei nada que a evolução da supracitada - tanto em termos de investigação como de docência per se – tenha sido nula. Tirando algumas conferências sempre com os mesmos protagonistas, nada se passa naquela faculdade. A sensação que me dá é que a faculdade se tornou numa espécie de família que se reúne de vez em quando para celebrar a sua própria existência, quando o que devia acontecer, na minha opinião, era uma expansão dessa família, com novos “filhos” que trouxessem algo de novo e reinventassem o processo de ensino/aprendizagem, sendo que o futuro se adivinharia bem mais risonho, tanto para alunos, como para professores. E tudo isto tem um motivo muito simples, que se explica através da resposta à seguinte pergunta: a universidade vive do quê? Dos alunos! Dos alunos pagantes de propinas, entenda-se, mas não obstante somos nós que compomos o ramalhete. O problema desta universidade é mesmo este (e não sei como é nas outras): não se valoriza o aluno. Tanto jovem com valor que por lá anda a estudar, para no fim de três anos não ter outra hipótese senão ir para outro lado, ou trabalhar numa área que nada tem a ver com o curso. Mas isso é outra conversa. Entretanto, sei de fonte segura que, para o ano, o curso de Literatura terá a módica quantia de seis alunos. Seis! Há dezoito anos, quando saí de casa para estudar, éramos cinquenta e três. E sim, podes argumentar que os cursos de letras têm cada vez menos alunos por causa das saídas profissionais, mas se isso fosse verdade, os únicos cursos com muita gente seriam cursos nas áreas da informática. Não é isso que vejo todos os dias, quando vou para a universidade. O que vejo é uma faculdade que definha lentamente, engasgada no seu próprio orgulho, e as outras faculdades que, pelo menos “lá fora”, vão tendo algum reconhecimento (nem que seja a Faculdade de Ciências e Tecnologia, que muito bom trabalho tem vindo a desenvolver).
Temo ter-me desviado um pouco do propósito desta despedida, mas assim o ditam as deambulações do pensamento. Um destes dias vou fazer uma coisa que já tinha pensado, ainda que não me pareça que fará algum tipo de diferença. Vou pegar no meu “Clube dos Poetas Mortos” e vou depositá-lo no teu cacifo, sem remetente nem mensagem. Deixo ao teu critério, ao contrário do que tu fizeste comigo, a interpretação do filme e das lições que dele podes tirar. Se alguma coisa boa daí vier, tanto melhor. Caso contrário, está para além do meu poder mudar seja o que for.
No meio disto tudo, só uma coisa é certa: Nunca mais vou ter de ser teu aluno.

Adeus.

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