Monday, May 23, 2011

Menina dos olhos verdes

"A prosa poética é prosa que quebra algumas das regras normais da mesma para atingir uma imagética mais sofisticada ou um maior efeito emocional."


Menina dos olhos verdes,


Invocaste um feitiço que me deixou quieto,

paralisado com o pensamento do teu jeito

sonhador que me faz também sonhar. O primeiro

olhar foi assumidamente distraído e inocente, mas

cheio de significado. Quis dizer, quis ser o começo

de um sentimento que não pára de crescer.

O tempo foi passando e os meus olhos começaram

a ficar da cor dos teus. O meu eu saiu de mim sem

me aperceber e deixei de me conhecer. Fiquei

sem conseguir compreender se a distracção tinha sido minha,

se a magia que senti não seria magia.

Mais uma vez o mar trouxe-me o teu aroma,

que só veio confirmar que o feitiço deveras aconteceu.


Menina dos olhos verdes, do olhar sonhador,


O tempo tornou-se meu inimigo;

tenho travado uma luta injusta que não parece ter fim,

que não consigo vencer. Sou vencido duas vezes:

uma pelos teus olhos e outra pelo tempo. Mas sou também

vencedor porque ganhei o teu querer, ainda que sem querer.

Depressa o teu olhar passou de distraído a cheio de intenção,

mesmo que o não soubesses. Foi isso que senti e me deixou

preso à linha ténue que separava o apaixonar-me por ti.

Aproximei-me.

Devagar, como quem domina a impaciência

de não conseguir raciocinar.


Menina dos olhos verdes, princesa dos poetas,


Encontro-me muitas vezes à briga com as palavras,

no desespero de encontrar expressões que definam

a tua singular beleza. Todos os adjectivos terão de ser

reinventados, porque têm de ser únicos, plurais, superlativos,

tudo isto ao mesmo tempo. Passaste, sem esforço, de uma visão

agradável a uma certeza de beleza; aquela certeza que os nossos

olhos têm quando foram feridos pelas flechas do Amor.

Penso ser óbvio neste momento que levei com uma chuva delas,

sendo cada uma a representação individual dos teus cabelos

à deriva por entre os meus dedos.


Menina dos olhos verdes, dos cabelos dourados,


A minha história foi escrita numa jangada que vagueou ao sabor

do vento na tua direcção. Deixou de ser a minha história e passou

a ser a nossa, naquela noite perfeita em que enlouquecemos,

rebentámos com a vontade acumulada pela impossibilidade que

foi imposta no nosso caminho. Até essa noite nunca teria imaginado

que um simples toque de mãos pudesse ser mais intenso que

o beijo mais apaixonado. Lembras-te quando as nossas mãos se tocaram?

Estava escrito assim nas estrelas, que todas as noites guiaram o nosso

andar, o nosso percorrer da realidade na procura do sonho.


Menina dos olhos verdes, da cor do mar,


Não há um dia que passe em que eu não me recorde:

o teu deslizar, o teu pairar de princesa enquanto corrias,

que nem uma criança na direcção do mar. Tudo isto banhada

pela luz do mais bonito luar. A melodia de te ver correr fez-me

sonhar acordado, ao realizar que o chapinhar dos teus pés na água

me fazia sorrir. E assim fiquei, a sorrir; a olhar-te sem dizer nada

para não deitar a perder nada.

Comecei a absorver-te sem conseguir parar, e quando dei por mim

já não estavas por perto, o dia começara a nascer.


Mas voltemos àquela noite, menina dos olhos verdes,


A noite em que as incertezas se tornaram notícia, pois explodi

a gritar para as estrelas, a contar a boa nova: a minha história

estava completa, porque estava contigo! Rapidamente o céu

começou a mudar; já tinha pedido à Lua que organizasse

um concerto estelar para embalar as horas em que escrevemos

o nosso poema. Nem reparámos que o espaço era tão apertado,

exíguo mesmo. A força que nos impelia na direcção um do outro

era tal que abraçar-nos era o nosso luxo, era o nosso espaço.

Ah… e depois surgiu o beijo, o tão esperado beijo.

Os nossos lábios tiveram dificuldade em perceber o que aconteceu

quando se tocaram, tal não foi a intensidade.

Sem saberem como reagir, foram-se encaixando, saciando loucamente

o desejo insaciável. Parecia o primeiro beijo. A atracção foi

tão avassaladora que o movimento se tornou torpe,

inconsequente, descontrolado.

Como poderíamos controlar tamanho desejo?


Menina dos olhos verdes; Ah! menina,


Os dias custam a passar quando apenas existe memória.

Lembrar o inevitável encontro que se perdeu no tempo é

doloroso e incontornável. Queria sorrir e pensar que os teus olhos

poderiam ser meus, mas como ambos sabemos, por vezes…

o querer não chega.

Falta coragem!

Falta não querer deixar morrer o sentimento nobre dos amantes

que não controlam o seu próprio sentir. Falta-nos sentir-nos outra vez,

outra e outra vez. Apostar em nós sem receio do que possa acontecer.

Porque o destino assim o diz, porque o destino assim o quis.


Menina dos olhos verdes, verdes, verdes!


Queria saber esperar. Ter paciência, controlar o desejo.

Mas sei que se foi o destino que te colocou no meu caminho,

também pode ser ele a subtrair-te do meu coração.

O núcleo de um poeta é o seu coração, que tem de ser regado,

irrigado, alimentado com o suco da paixão. Talvez consiga

aguentar mais um pouco, não sei… fá-lo-ei em nome da intensidade

que sentimos, os dois. Ainda que tenha sido breve, vou para sempre

reter a expressão na tua face quando, sem defesas,

te encontraste deitada no meu regaço.

Vou cantar a nossa canção, tentar aperfeiçoá-la, adjectivá-la como merece.

Mesmo que já esteja a ficar rouco, acredito que os teus olhos

não me enfeitiçaram em vão. Acredito que os nossos lábios se vão

encontrar outra vez. Seria duro demais não acreditar.


Menina dos olhos verdes, perdidos no tempo,


Vem, vamos envelhecer juntos como o vinho

que tanto gostamos. Vamo-nos embriagar um no outro,

quais grainhas que namoram no ventre da uva até que

o tempo diga que é tempo.

Vamos transformar-nos um no outro.

Vem, não tenhas medo; estou aqui à tua espera e prometo

guardar segredo.



Um suspiro, um sussurrar teu e o nosso sonho pode ser verdade.

Vem, não tenhas medo, vamos fugir de viver na saudade.

Sunday, May 08, 2011

Visão

.


Somos feitos das migalhas que os sonhos deixam para nós;

mendigamos tudo o que podemos na tentativa

de subir um pouco mais alto. Só para quando chegamos…

quando chegamos perto do topo aparecer mais um

qualquer destino que nos arrasta inevitavelmente:

para baixo.

Assim, vamos crescendo sempre a olhar para cima,

subtraídos que estamos do nosso próprio poder.

Não temos escolha, não temos nada que não seja nosso.

É tudo passageiro.

Regressamos ao ponto de partida de onde, na verdade,

nunca saímos. Recordamos os melhores momentos, durante

os quais acreditámos que o sonho era a realidade:

a nossa verdadeira verdade.

É uma cruzada incessante sem resolução à vista. Um enigma

do ser que não somos mas que temos de ser.

É preciso clarificar o horizonte dos pensamentos derramados

na corrente que arrasta o nosso olhar.

Reflectir sobre a razão da incompreensão.

Afinal, todos sonhamos o mesmo sonho; todos andamos na

mesma direcção e sempre por caminhos opostos ou paralelos

que nunca se encontram. Somos não do tamanho que queremos

mas do querer ser maiores.

E à medida que, iludidos, vamos crescendo, estamos na realidade

e apenas… mais apertados, com menos espaço para sonhar.

Vamos ardendo lentamente na fogueira do amanhã

que não se revela mais fresco, quais limalhas despedaçadas

chovidas ao sabor do vento.

E sempre empurrados por trás, claro.

Assim, temos a sensação que o caminho é menos difícil,

ou mais fácil. Perspectivamos o que queremos

mas nada se nos perspectiva.

Falta-nos visão.

Falta-nos não saber nada, não esperar nada, não ter nada!

Falta-nos tudo.