Sunday, August 14, 2011

Rua

“Como se esta grande cólera me tivesse limpo do mal, esvaziado de esperança, diante desta noite carregada de sinais e de estrelas, eu abria-me pela primeira vez à terna indiferença do mundo.”

Albert Camus



Canto na rua,

na rua que é feita de pedras e azulejos

e de pegadas e desejos;

é feita de aromas que não conheço.

Na rua tudo se constrói, nada se destrói.

Tudo se edifica mas nada solidifica.

Na rua tudo desagua, tudo navega sem direcção.

Na rua onde há ruas e sinalização.

Onde os sonhos resvalam pelos ralos dos passeios,

na rua tudo se transforma em devaneios.

Nascem sentimentos que trazemos para a rua;

sensações que percorrem o céu a caminho da lua.

Da lua que ilumina os corredores mais insuspeitos

nas ruas que têm jardins repletos de amores-perfeitos.

Tenho pressa, quero chegar ao fim da rua,

quero existir lá, onde a rua é toda sua.

Quero chegar ao fim da rua e descansar.

Ao fim da rua que é rua, que nada mais sabe ser senão rua.

Rua! Rua! Rua! RUA!

Canto na rua.

Na rua que tem um canto sem encanto

onde eu espanto o meu pranto,

no canto da rua.

Este canto que é meu não está sujo. É branco.

E é tão branco! É branco, claro como este enfeite.

É branco franco como o branco do leite.

É o meu canto que é branco.

Imaculado, como o sentimento que tenho a meu lado.

No canto da rua onde canto o meu fado.

Wednesday, August 03, 2011

Segredo

.


O dia que ainda não chegou afasta-me da realidade.

A sonhar acordado como estou, fico assim e sonho…

aquilo que não sou.

As minhas fiéis amigas não me falham, nunca me falham.

Por elas divagam os sonhos, os meus sonhos.

E enquanto sonho não tenho medo e continuo preso

à lembrança sem me desenvencilhar do pensamento de ti.

Procuro palavras mas o vocabulário é escasso para o que sinto.

A saudade misturada com a incerteza, a certeza aglutinada…

colada à dúvida. Não quero mesmo acordar. Quero ficar assim

para não ter de decidir. Mas o pensar não me larga, a impressão

de nós juntos não me deixa ficar quieto; quero calar-me mas

também não consigo, porque quero, porque anseio, porque

desejo estar contigo.

Nada faz sentido no meu sonho e mesmo assim não quero acordar.


Ao relembrar o tempo que passámos juntos, os dias e noites que

formaram os nossos momentos. Momentos que ficaram a pairar

no ar bem à nossa frente, e que ambos recordamos com um sorriso.

É o nosso segredo, é o nosso sonho.

Sempre que abrirmos os olhos lá estará a memória a sorrir para nós.

A descoberta, a nossa descoberta… foi singular, foi bem regada! Foi

bem disposta , foi trabalhada na noite fria e na manhã quente;

foi encarnada à tardinha e pela noite dentro, com o olhar das estrelas

e o som do mar abismados perante o nosso êxtase. Foi bom, foi muito bom!

Foi tão bom que custa, que dói não podermos ter mais sempre que quisermos.

A matéria de tudo o que é composto, tudo o que é complicado,

tudo o que é difícil… derrete-se ao enfrentar o nosso beijo eterno.

Aquele beijo inconcebível de tão perfeito, aquele beijo que não

pode acontecer senão num sonho, no nosso sonho. E que dúvida!

Que dúvida ainda há que foste, que fomos as personagens

do nosso próprio dormir?

Acordámos juntos sob a neblina da madrugada, apenas para

nos abraçarmos perante a mais bela paisagem.

Não existe amanhecer completo sem a tua beleza!

Sem o teu jeito desajeitado, provocado pelo meu toque.

Espero pelo reencontro e tento conceber, imaginar o que te posso sussurrar ,

o que te posso murmurar suavemente ao ouvido

para te fazer ver o que fomos eu e tu. E beijar-te outra vez.

Adorar cada gesto teu como um tolo de amor, um louco embriagado

pelas suculentas essências que de ti emanam.

Quero espremer o nosso sumo, vertê-lo, sem o entornar! Degustá-lo

a teu lado, aproveitar tudo até à última gota.


Como um olhar inocente perdido num passeio de passagem,

uma certeza de intimidade, de reconhecimento impossíveis.

Afinal, ficámos perdidos um no outro para apenas nos perdermos mais.

Antes de os nossos olhos se encontrarem, antes de as nossas bocas se beijarem.

Antes e depois de os nossos corpos se embrulharem!

Foi assim mesmo que ficámos, apertados um contra o outro, parados

num momento que não pode acabar.

Um cigarro apaga-se mas o fumo ainda paira no ar, desvanece-se lentamente

sem aparentar saber para onde vai. Assim como eu e tu, abraçados,

perdidos num instante parado no tempo, a desejar que o tempo não passe.

Bem que fiz força para parar o tempo, mas é habilidade que não tenho.

Com a flor que pus na tua orelha tentei eternizar

o teu sorriso de menina. Sabes quão bonito é, o teu sorrir?

Um sorriso não vale nada se ninguém o pode ver.

Vale mesmo nada.

E o teu sorriso, o nosso sorriso valeu tudo.

Valeu por todas as flores que alguma vez te poderia dar.

Valeu por todos os sonhos em que sonho em te abraçar.

Vale por todos os verbos que conjugo para te recriar, para nos recriar.

Vale por todos os nomes, todas as comparações inúteis para

te descrever, para nos conceber. Não há verbo ou substantivo que

se encaixe no que foi a nossa palavra.

Do que ainda há-de ser. Gostava de saber…

Queria muito descobrir forma de tornar os segundos horas,

para assim prolongar a recordação de te ter nos meus braços.

Mas o tempo dispara, indiferente à minha vontade.

Não quer saber de mim, como tu quiseste.

Como eu sei que ainda queres.


Por isso, meu amor, não desesperes. Não chores! Não gosto de te ver chorar.

Ainda que eu próprio verta algumas lágrimas, ainda que até

o choro tenhamos partilhado.

Fazes-me falta agora que não tenho.

Agora que o meu sorriso não vale nada.

Agora que recordo o namorar-te, o arrepiar-te ao percorrer

a linha ténue e suave que desenha o teu corpo. Ver a tua pele à mercê

das minhas carícias. Sentir outra vez aquilo que sentimos quando

desejámos estar sozinhos, que toda a gente se evaporasse à nossa volta,

para podermos consumar o nosso desejo.

Fico triste quando tento controlar o ímpeto de te rever.

O nosso caminho foi construído de forma a que nos encontrássemos,

ainda que o tempo não tenha sido o mais fortuito, parece que

tudo foi feito para estarmos juntos naquele nosso momento.

Foi por pouco tempo que nos amámos, mas todo o tempo do mundo

não chegaria para separar o nosso abraço.

As palavras de amor fazem sentido quando escritas para ti, quando

reescritas para nós.

O luar foi inventado para nós! Existiu através dos tempos à nossa espera.

Como eu que tanto esperei e continuo a esperar, mas sem desesperar.

Não desespero porque tenho esperança. O meu olhar ficou perdido

no teu e de alguma forma tenho de o recuperar. Não porque me faça falta,

mas porque chorei de contente ao ver o mundo através de ti.


É pena que não possamos fazer promessas, a vida e o seu curso

assim o ditam. Mas é a única pena.

Teria trocado todo o tempo que me resta se o nosso tempo parasse;

se o nosso abraço, o nosso beijo adormecesse e se consumasse,

despreocupado, livre das ocupações a que a nossa condição nos obriga.

Que mais posso dizer?

Que mais me resta fazer?

Foram quantas noites de Amor?

Foram tantas que ficaram suspensas no ar, a pairar sob o nosso olhar

adormecido, anestesiado pelos momentos que passámos juntos.

Que mais me resta sentir?