No dicionário Priberam da Língua Portuguesa, a
palavra “abraço” é definida da seguinte forma: “Acto de abraçar, de apertar
entre os braços, geralmente em demonstração de amor, gratidão, carinho,
amizade, etc”.
Durante toda a minha vida usei e abusei de
dicionários. Não sei porquê, mas na minha sempre ávida sede de saber, os
dicionários têm sido fiéis amigos e raramente me têm desiludido. Depois de
viver a história que em seguida relato, cheguei a casa e fui procurar uma
palavra sobre a qual nunca me tinha debruçado, talvez por ser uma palavra
simples e de fácil compreensão. Que enganado estava! A palavra “abraço” encerra
em si tantos significados quanto as sensações que a sua efectivação pode
provocar, ou certamente mais. A história que se segue é verídica e qualquer
semelhança com a realidade não é, de todo, pura coincidência.
No outro dia fui ao café com o meu filho. Não o
fazemos muitas vezes, mas de vez em quando lá lhe pergunto se ele quer e a
resposta é, normalmente, afirmativa. Fomos de mão dada, como é costume, pois a
estrada é perigosa e o pouco passeio que existe está cheio de carros, ou de
cocó. Não me importo. Vou de mãos dadas com o meu filho. Chegados ao café, a
primeira coisa que o meu filho faz é desatar a correr à procura da senhora do
café, cuja cara lhe é já familiar, e a quem ele gosta muito de ir mostrar as
sapatilhas novas. Estas (as sapatilhas), de novas já não têm grande coisa, mas
não faz mal. É sempre engraçado vê-lo estender a pernoca e pedir à senhora do
café que olhe para as sapatilhas. A senhora do café entra na brincadeira e
pergunta sempre, com ar de espanto: São novas? Ao que o meu filho responde que
sim, que foi o papá que comprou (mentira, foi a mamã, mas o papá não se importa
com mentirinhas inocentes). Depois de mostradas as
sapatilhas-não-tão-novas-assim-mas-não-faz-mal, o meu filho repara sempre na
vitrina cheia de bonecos, daqueles que saem nos ovos de chocolate, sem nunca se
esquecer de me chamar à atenção para o Super Mário que, lá ao fundo, espreita
com a cabeça de fora de um cano de esgoto verde-alface. O café está pronto. Vamos
para a esplanada para ele brincar enquanto eu beberico o café e ensaio uns
sinais de fumo. Depois da brincadeira e da cafeína, pergunto-lhe se quer ir
para casa e ele, mais uma vez, responde afirmativamente. Mas desta vez
passou-se algo diferente. Ao entrarmos novamente no café, o meu filho saca de
um “olá” gigantesco e desata a correr na direcção da senhora do café. Devo
admitir que por uma fracção de segundo fiquei assustado, não sabendo ao certo
como terminaria tamanha debandada. A senhora do café levantou-se e, de braços
abertos, acolheu a investida do meu filho. Agora, o que tem esta situação de
especial ou de relevante? Nada mais simples. Sou frequentador assíduo daquele
café há já alguns anos e de todas as vezes que lá fui tomar a minha bica
reparei que a senhora do café não sorri. Sempre foi simpática e prestável, mas
sorrir parecia ser uma missão impossível. Ao ser abraçada pelo meu filho,
esboçou um sorriso de tal forma sincero que me emocionou e me fez sorrir
também. Além disso, também me deu que pensar: como é que uma coisa tão simples
pode trazer tanta alegria, ainda que momentânea, à vida de uma pessoa? Eu não
sou coscuvilheiro e nem sequer faço ideia do motivo da falta de alegria
constante no semblante da senhora do café. Desconfio que terá a ver com o facto
de ser imigrante, mas não sei. Seja como for, com um simples gesto, o meu filho
cumpriu todas as definições que o dicionário tem para aquela palavra e, ainda
que apenas por breves momentos, a senhora do café foi apertada pelos braços
pequeninos do meu filho, numa demonstração de amor pelo próximo, num
agradecimento por estar sempre pronta a demonstrar interesse pelas sapatilhas-não-tão-novas-assim-mas-não-faz-mal,
num gesto de genuíno carinho que, certamente, fez despoletar uma nova amizade
e, provavelmente, alguns eteceteras.
Um abraço.
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