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O dia que ainda não chegou afasta-me da realidade.
A sonhar acordado como estou, fico assim e sonho…
aquilo que não sou.
As minhas fiéis amigas não me falham, nunca me falham.
Por elas divagam os sonhos, os meus sonhos.
E enquanto sonho não tenho medo e continuo preso
à lembrança sem me desenvencilhar do pensamento de ti.
Procuro palavras mas o vocabulário é escasso para o que sinto.
A saudade misturada com a incerteza, a certeza aglutinada…
colada à dúvida. Não quero mesmo acordar. Quero ficar assim
para não ter de decidir. Mas o pensar não me larga, a impressão
de nós juntos não me deixa ficar quieto; quero calar-me mas
também não consigo, porque quero, porque anseio, porque
desejo estar contigo.
Nada faz sentido no meu sonho e mesmo assim não quero acordar.
Ao relembrar o tempo que passámos juntos, os dias e noites que
formaram os nossos momentos. Momentos que ficaram a pairar
no ar bem à nossa frente, e que ambos recordamos com um sorriso.
É o nosso segredo, é o nosso sonho.
Sempre que abrirmos os olhos lá estará a memória a sorrir para nós.
A descoberta, a nossa descoberta… foi singular, foi bem regada! Foi
bem disposta , foi trabalhada na noite fria e na manhã quente;
foi encarnada à tardinha e pela noite dentro, com o olhar das estrelas
e o som do mar abismados perante o nosso êxtase. Foi bom, foi muito bom!
Foi tão bom que custa, que dói não podermos ter mais sempre que quisermos.
A matéria de tudo o que é composto, tudo o que é complicado,
tudo o que é difícil… derrete-se ao enfrentar o nosso beijo eterno.
Aquele beijo inconcebível de tão perfeito, aquele beijo que não
pode acontecer senão num sonho, no nosso sonho. E que dúvida!
Que dúvida ainda há que foste, que fomos as personagens
do nosso próprio dormir?
Acordámos juntos sob a neblina da madrugada, apenas para
nos abraçarmos perante a mais bela paisagem.
Não existe amanhecer completo sem a tua beleza!
Sem o teu jeito desajeitado, provocado pelo meu toque.
Espero pelo reencontro e tento conceber, imaginar o que te posso sussurrar ,
o que te posso murmurar suavemente ao ouvido
para te fazer ver o que fomos eu e tu. E beijar-te outra vez.
Adorar cada gesto teu como um tolo de amor, um louco embriagado
pelas suculentas essências que de ti emanam.
Quero espremer o nosso sumo, vertê-lo, sem o entornar! Degustá-lo
a teu lado, aproveitar tudo até à última gota.
Como um olhar inocente perdido num passeio de passagem,
uma certeza de intimidade, de reconhecimento impossíveis.
Afinal, ficámos perdidos um no outro para apenas nos perdermos mais.
Antes de os nossos olhos se encontrarem, antes de as nossas bocas se beijarem.
Antes e depois de os nossos corpos se embrulharem!
Foi assim mesmo que ficámos, apertados um contra o outro, parados
num momento que não pode acabar.
Um cigarro apaga-se mas o fumo ainda paira no ar, desvanece-se lentamente
sem aparentar saber para onde vai. Assim como eu e tu, abraçados,
perdidos num instante parado no tempo, a desejar que o tempo não passe.
Bem que fiz força para parar o tempo, mas é habilidade que não tenho.
Com a flor que pus na tua orelha tentei eternizar
o teu sorriso de menina. Sabes quão bonito é, o teu sorrir?
Um sorriso não vale nada se ninguém o pode ver.
Vale mesmo nada.
E o teu sorriso, o nosso sorriso valeu tudo.
Valeu por todas as flores que alguma vez te poderia dar.
Valeu por todos os sonhos em que sonho em te abraçar.
Vale por todos os verbos que conjugo para te recriar, para nos recriar.
Vale por todos os nomes, todas as comparações inúteis para
te descrever, para nos conceber. Não há verbo ou substantivo que
se encaixe no que foi a nossa palavra.
Do que ainda há-de ser. Gostava de saber…
Queria muito descobrir forma de tornar os segundos horas,
para assim prolongar a recordação de te ter nos meus braços.
Mas o tempo dispara, indiferente à minha vontade.
Não quer saber de mim, como tu quiseste.
Como eu sei que ainda queres.
Por isso, meu amor, não desesperes. Não chores! Não gosto de te ver chorar.
Ainda que eu próprio verta algumas lágrimas, ainda que até
o choro tenhamos partilhado.
Fazes-me falta agora que não tenho.
Agora que o meu sorriso não vale nada.
Agora que recordo o namorar-te, o arrepiar-te ao percorrer
a linha ténue e suave que desenha o teu corpo. Ver a tua pele à mercê
das minhas carícias. Sentir outra vez aquilo que sentimos quando
desejámos estar sozinhos, que toda a gente se evaporasse à nossa volta,
para podermos consumar o nosso desejo.
Fico triste quando tento controlar o ímpeto de te rever.
O nosso caminho foi construído de forma a que nos encontrássemos,
ainda que o tempo não tenha sido o mais fortuito, parece que
tudo foi feito para estarmos juntos naquele nosso momento.
Foi por pouco tempo que nos amámos, mas todo o tempo do mundo
não chegaria para separar o nosso abraço.
As palavras de amor fazem sentido quando escritas para ti, quando
reescritas para nós.
O luar foi inventado para nós! Existiu através dos tempos à nossa espera.
Como eu que tanto esperei e continuo a esperar, mas sem desesperar.
Não desespero porque tenho esperança. O meu olhar ficou perdido
no teu e de alguma forma tenho de o recuperar. Não porque me faça falta,
mas porque chorei de contente ao ver o mundo através de ti.
É pena que não possamos fazer promessas, a vida e o seu curso
assim o ditam. Mas é a única pena.
Teria trocado todo o tempo que me resta se o nosso tempo parasse;
se o nosso abraço, o nosso beijo adormecesse e se consumasse,
despreocupado, livre das ocupações a que a nossa condição nos obriga.
Que mais posso dizer?
Que mais me resta fazer?
Foram quantas noites de Amor?
Foram tantas que ficaram suspensas no ar, a pairar sob o nosso olhar
adormecido, anestesiado pelos momentos que passámos juntos.
Que mais me resta sentir?
4 comments:
É sempre tão bom ler algo escrito por ti... Começa-se a ler e espera-se que o poema possa continuar indefinidamente! A cada linha apetece mais outra!
Indescritivel...e espectacular como sempre.
Ainda bem que não guardas estes segredos só para ti, consegues transmitir sentimentos que não sabemos verbalizar, apenas sentimos! Que venha o livro.
Lindo..... mas que quer dizer fortuito? :)) e relativamente ao anterior, não tenho mais nada do Camus... :(
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